No final do séc. XIX, na encosta leste da aldeia, foi levantada pelo arado de um lavrador uma pedra de xisto com uma inscrição. Esta foi transcrita mas, muito lamentavelmente, a pedra partiu-se e perdeu-se. A transcrição, recentemente estudada, indica ter-se tratado de uma lápide funerária, com uma inscrição em latim, datável do séc. I. É, por isso, um testemunho da presença do domínio romano no espaço desta aldeia. O povoado deveria ter continuado a existir, mas as brumas da História não nos permitem ver essas épocas antigas com mais clareza.
Para Sarzedas a História documentada começa em 1210, quando D. Sancho I (reinado: 1185-1211), com o cognome O Povoador, solicita ao concelho da Covilhã, um herdamento (uma herança) dentro do seu termo para o monarca entregar ao seu filho bastardo, D. Gil Sanches e ao clérigo fidalgo, D. Paio Pais, seu arcediago. O concelho da Covilhã - que tinha recebido o seu foral do mesmo rei em 1186 - responde: "Eu o alcaide e nós os alcades do concelho da Covilhã vimos as cartas do senhor rei Sancho, noas quais nos mandava pedir um herdamento com terras para seu filho D. Gil Sanches e para Pero Pais, devendo ambos possuí-lo ao meio. Demo-lo como o senhor rei manda, para que povoem, criem e lavrem, e sejam reconhecidos por moradores dentro do termo da Covilhã." A Covilhã cedeu o território de Sarzedas e D. Gil Sanches foi Senhor de Sarzedas conjuntamente com Paio Pais, concedendo-lhe foral* em 1212, segundo os costumes da Covilhã, para a restaurar e povoar.
D. Afonso II (reinado: 1211-1223), por carta régia datada de 1220, confirma esta doação. É provável que, decorrente destes actos, Sarzedas tenha visto construir no Alto de S. Jacinto uma qualquer estrutura acastelada, da qual não resta qualquer vestígio. Em 1512 D. Manuel I confirma-lhe o foral, o que terá levado à edificação do pelourinho. Por esta época já Sarzedas era domínio dos Senhores de Sarzedas e Fermosa (Sobreira Formosa). A partir de 1630 - por carta régia de Filipe III - e até 1748, foi domínio dos Condes de Sarzedas, título que passou por nove titulares e que terminou com a morte da última condessa por não ter sucessores directos. A partir desta data a vila de Sarzedas e o seu termo foram integrados nos bens da Coroa. Em 1762 - com Portugal envolvido na Guerra dos Sete Anos, por se ter recusado a tomar parte na luta contra os seus velhos aliados ingleses - o País foi invadido pelos exércitos franco-espanhóis. Sarzedas foi ocupada, tendo sido aqui que o general invasor, o espanhol Conde de Aranha, estabeleceu o seu quartel.
No início do séc. XIX Sarzedas sofre novamente os horrores da guerra, quando Napoleão decide invadir Portugal. A 22 de Novembro de 1807 a Divisão Loison entrou em Sarzedas. A lista de crimes, saques, incêndios e roubos dá uma triste celebridade à povoação: entre outras atrocidades e sacrilégios destruíram o interior e bens da Igreja Matriz. De novo em 06 de Julho de 1808 passam por Sarzedas as tropas napoleónicas arrombando e despojando a igreja matriz, tal como em 1807. Em 1846 o povo amotinado invadiu o edifício dos paços do concelho e retirou e queimou toda a documentação que lá se encontrava. Perdeu-se, então, parte da história desta terra. Em 1848, com as reformas administrativas de Mouzinho da Silveira, o concelho foi extinto.
Em meados do séc. passado, Orlando Ribeiro descreveu assim Sarzedas:
"A povoação consta, pode dizer-se, de duas ruas, ladeadas de pobres casas de andar, que levam à igreja matriz, edificada num alto. O xisto das paredes está à mostra, em placas sobrepostas, pedra quási aparelhada pela natureza para a tosca arquitectura rural. A caiação é luxo pouco em voga na charneca e a vilazinha mostra-se num tom castanho, tristonho e feio."
in “Guia de Portugal - Beira Litoral, Beira Baixa, Beira Alta” (1944)
Em 2012, Sarzedas comemorou 800 anos do seu primeiro foral e 500 anos do foral manuelino.
*Foral: Documento medieval que estabelecia os direitos e deveres dos moradores de uma dada localidade.
A origem do nome
O nome variou ao longo dos séculos: Sarzedas no séc. XIV, Cerzedas no séc. XV, Cercedas no séc. XVII. Numa das versões do "Portugalliae" de Fernando Alvaro Seco, datado de 1600 – tido como umas das primeiras representações cartográficas da totalidade do território continental português – encontramos Sarzeda na localização da atual povoação. A origem da palavra "Sarzedas" tem origem botânica, provavelmente radicada ou no étimo "quercus", que significa carvalho, ou no termo "Cereceda", lugar onde proliferam cerejeiras ou cerdeiras.
Condes de Sarzedas
O título criado em 1630, por Filipe III, foi utilizado por vários titulares, não sendo possível indicar qual o seu nível de presença na povoação, se é que ocorreu. O título foi antecedido pelo dos Senhores de Sarzedas e Fermosa, provavelmente mais estreitamente ligados ao local. Os Condes de Sarzedas tiveram a sua moradia no Palácio da Palhavã, em Lisboa, edifício actualmente ocupado pela embaixada de Espanha. Sarzedas é a única Aldeia do Xisto que teve um título nobiliárquico atribuído.
D. Gil Sanches
(1202/1203 - 1236)
Filho bastardo de D. Sancho I, foi criado em Vila do Conde e por herança de seu pai, foi Senhor de Sarzedas aos sete anos, com a atribuição de ser responsável pelo seu povoamento. Quando adulto, parece que manteve relação de maior proximidade com Sarzedas e o seu termo. No “Livro Velho de Linhagens” (c. 1290) é tido como um clérigo muito honrado na Península Ibérica. Como trovador medieval deixou uma poesia trovadoresca de sabor popular sobre a sua amada, enquadrável na fase inicial do Cancioneiro Galaico-Português.
Noite de S. João
Em Sarzedas, na fogueira da noite de S. João queima-se somente o perfumado rosmaninho que no dia 24 de Julho é colhido nos campos. À meia-noite desse dia, ao som da última badalada do sino, as raparigas partiam um ovo que colocavam num copo cheio de água. Na manhã seguinte antes de nascer o sol, eram examinadas as formas caprichosas que o ovo tomava. Interpretavam então essas formas como sendo semelhantes a qualquer instrumento, objeto ou ferramenta de ofício ligado ao futuro noivo.